domingo, 19 de agosto de 2007


Cavadores (parte 4 de 5)


Começou com um burburinho. Foi aumentando para uma conversa estranha, com algumas risadas e gritos no meio. Acabou numa convulsão de corpos magros. Eles saiam todos juntos de um buraco mais abaixo da gente. Corriam, rastejavam, berravam, todos meio abobados com a luz da lanterna de Stu e atraídos por ela. Eles deviam estar semanas sem ver a luz do sol. Estavam todos pálidos e esquálidos, os olhos arregalados e a boca babava. De relance vi a marca de dentadas em alguns cadáveres que estavam perto de mim e entendi. Deus do céu! Eles estavam se comendo lá embaixo, doutor! Sem comida eles comiam os seus cadáveres, aquela podridão toda! E nós ali, vivos! Nós éramos um gigantesco banquete de Ação de Graças!


Sabe aquela coisa de “não deixa ninguém para trás”? Mentira. Eu e Rodriguez levantamos e corremos como pudemos. Atiramos, gritamos e nos rastejamos. Eles vinham atrás. Cheguei a ver os olhos injetados de Stu antes dele ser engolfado por um emaranhado de mãos pálidas e com unhas grotescas. Rastejamos, não paramos um segundo para falar ou olhar para trás. Eles arrancaram as minhas botas. Eu só colocava a metralhadora para trás e puxava o gatilho. Sorte do Rodriguez estar na minha frente.

Demoramos horas para chegar na câmara. A volta pareceu durar meses. Não víamos nada, só escutávamos eles berrando e rastejando atrás. Quebrei meu dedo indicador enquanto fugia, só fui sentir quando fui mijar, horas mais tarde, fora do túnel. Rodriguez, como um bom latino, xingava tudo e todos em um castelhano arrastado. “Vá te a merda, cabrón! Hijo de un perro! Puta madre! Andale, carajo!”

Saímos. Por sorte era manhã, os putos não conseguiram nos acompanhar à luz do sol. Matamos a maioria ali mesmo, na boca do Inferno. Chamamos a artilharia. Demos as coordenadas e passamos tudo o que sabíamos para o alto comando. Foi a deixa que precisavam. Liberou geral! Agente Laranja, Napalm, Canhões Sobet, artilharia, tudo. Não era mais uma guerra, era extermínio.

Quando o exército acabou Cu Chi parecia a superfície lunar. Era tudo uma vasta estepe sem vida. Nada que respirasse estava vivo. Voltamos mais bem armados. Uma parte dos túneis havia desmoronado. Entramos, matamos mais alguns. Sim, eles estavam vivos. Eles sobreviveram, sobreviveram escutando o mundo caindo sobre as suas cabeças.

Uma semana depois nos deram baixa honrosa. Não sei do que. Voltamos para casa e seguimos nossas vidas. Bem, eu segui. Segui até Rodriguez ligar e falar aquelas duas palavrinhas. “Cu Chi”.


[winamp: autopilot off - raise your rifle]

postado por caio teixeira às 12:14 AM |

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