Guerra (parte 4 de 4)
A concentração volta, um capacete preto aparece na escada, você mira, inspira e segura, aperta o gatilho. Um grito, alto e lancinante, a bala acertou o concreto e se fragmentou, deve ter acertado o olho do soldado. Uma bomba de gás lacrimejante chega do lado direito, você cobre o rosto com um lenço que levava no bolso. O tiro que acertou a sua "banda esquerda", coincidentemente onde estava o lenço, deixa o pano empapado de sangue, não terá a mesma eficiência, mas servirá por um tempo. Você corre mancando, encostado no vagão, em direção aos reforços. "Morra batalhando", dizia o quadrinho do Ronin.
O batalhão do lado direito começa a disparar, vidros dos vagões se estilhaçam, você só escuta o seu coração batendo. O tênis escorregando nos cacos de vidro, a arma cada vez mais pesada, a bunda doendo, o braço doendo, mas a alma se libertando. Você ouve sua avó dizendo: "Nunca se meta com drogas, meu filho", você obedeceu, mas ela não disse nada que a vida é viciante, muito menos que o mundo é uma merda.
Você está chegando e os soldados descem, eles não pensavam que você atacaria de frente. "Os bandidos nunca fazem isso! Eles se escondem e exigem coisas!", pensam. Nada do que eles podem oferecer a você pode te satisfazer, você quer tudo, quer comer o mundo a colheradas, quer as praias que você nunca visitará, quer as mulheres que nunca irão te olhar, quer a riqueza que a televisão te prometeu, quer a liberdade que os loucos têm, quer a porra de um conjunto de facas Guinso, quer as aventuras do Indiana Jones, quer tudo aquilo que fizeram você acreditar que teria através da mídia. Você quer viver.
O primeiro soldado se assusta, não estava empunhando o rifle direito e quando ele disparou foi mais um reflexo do que uma verdadeira ação para se proteger. O tiro passa longe. Você enfia a baioneta no peito ofegante dele e faz um disparo logo em seguida. O soldado voa contra a parede, mas os outros, em cima da escada estão mais preparados e voam contra você. Eles te querem vivo, querem seu corpo respirando. O primeiro acerta um murro na sua mão direita, o rifle escapa. Você dá um pulo para trás e puxa uma Colt Desert Eagle .45 da sua cintura, mira, inspira, segura e atira. O soldado cai de lado, os outros se recompõem e começam a empunhar seus rifles.
É um batalhão de fuzilamento e você não tem direito nem a uma venda, muito menos a um último cigarro, ou a uma última trepada. Mas a morte não! Isso não vão tirar de você, ela é sua, só sua! Você grita que se rende, os soldados hesitam por dois segundos, exatamente, é o suficiente. Você aponta a arma para o seu próprio coração, ainda o escuta dar uma batida, como uma despedida, antes de apertar o gatilho.
O estrondo da Desert Eagle vem de longe, muito longe. A visão começa a escurecer e antes de deixar tudo para trás, o seu carro, o seu banco com a gerente gostosa, o mendigo que sempre pedia um cigarro quando você passava, a sua gaita, a sua namorada, os seus pais, o seu papagaio, a piscina do seu prédio que você nunca nadou, o seu despertador que nunca tocava na hora certa, a sua faculdade, o seu trabalho de merda, o seu videogame, a sua vontade de viajar para a Índia, os seus vídeos pornôs que você esconde no armário, os corações que você partiu, as pequenas vitórias, a música, antes de tudo isso ficar para trás você escuta claramente, límpido, como uma gravação bem-feita sendo tocada em seu discman: "Ok, cada cliente faz o que quer com o dinheiro que tem, desde que a polícia não venha me encher o saco, mesmo porque, todas as armas estão com os números de série raspados! Hehehe! Mas cára, para que guerra você está indo com tudo isso que está comprando?", pergunta o vendedor antes de eu sair da loja.
Tudo preto...
Silêncio...
Chega de tudo...
Que comece a liberdade tão prometida...
E você responde... Devagar... Saboreando cada palavra...
"Eu vou para a minha guerra..."
fim?
[winamp: pearl jam - immortality]
postado por caio teixeira às 2:04 PM |