terça-feira, 15 de abril de 2008


Espaço

Meu pai está mudando de apartamento, ou seja, por enquanto me mudo junto. Nada fodão, um quarto a mais e mais distante do metrô. Ok, já acostumei com a idéia. Acho.

Mudança. Não sei, talvez eu esteja me acostumando com mudanças. Quando eu era pequeno, me mudei três vezes em menos de
seis anos. Mudei quatro vezes de colégio no mesmo período. Mudei de cidade. Mudei de cidade de novo, mudei de fase, mudei para a faculdade, mudei para o trabalho. Ok ok, a vida é feita de mudanças. Normal, certo? Não sei.

Cheguei às 18h30. Jantar rápido com meu pai. Dois "tudo bem" e tá tudo certo. Acabando de comer, lá pelas 19h, me fechei no quarto com vários sacos plásticos. “Por onde começar?” Vamos pelo armário, parte de livros. Fácil, nada vai pro lixo.

Começo a recolher papéis, correspondências
entre os encadernados. “Caralho, eu pareço um castor”. “Filho, não deixa seu nome em lugar algum, ok?”, beleza, rasgando tudo. Um certo sentimento de poder, tacando tudo pro “foda-se” e vamo.

Gaveta de bugigangas: essa foi fácil também, só fiquei impressionado quantas pilhas, fones-de-ouvido, correntes, santinhos, cartões-de-visita, canetas e isqueiros haviam dentro. Agora eu sei para onde vão os isqueiros perdidos do mundo: minha gaveta. Tudo para o lixo. Bico. Mamão-com-açúcar.

Última gaveta de sapatos: um entulhado de
papéis inúteis, trabalhos de faculdade, folhas sulfite, diplomas babacas e... Meu fichário. Nossa... ele ainda existe. Aberto mostra as folhas rasgadas (que eu sempre cultivei com tanto afinco) e uma parte de “produção própria”. Textos, histórias, contos e poemas (?!) que eu fiz nos primeiros anos de faculdade. Desenhos, recados de colegas, paixonites, amores. Que coisa mais... estranha. Nada parece comigo, nem minha letra eu reconheço, mas as histórias, as palavras, voltam, sempre voltam, e sei recitar o que escrevi de cor, mas, mesmo assim, releio. Pontada no estômago, um calafrio estranho. “Tá, tá, você fica”.

Gaveta de CDs debaixo da cama: para o lixo vão alguns discos (Kid Abelha, Titãs, Spice Girls, Linkin Park, um CD-ROM de putaria Hentai e mais algo que nem me dignei a olhar) e alguns DVDs (tudo de putaria – computador já armazena o suficiente). Mas, debaixo de alguns papéis (“preciso reciclar toda essa merda”) o registro do meu primeiro cachorro: Buzer Von Kaizer, Rotweiller nascido em 1993 e sobreviveu até eu fechar o canil dele antes de me mudar de vez para São Paulo (2005). “Pai, e isso?”, ele dá um sorriso melancólico – o cachorro foi o terceiro filho dele – solta um “hmpf” e só. Lixo.


Antes de ir para o próximo entulhão já começo a recitar o mantra: “desapego, desapego, desapego”.

Gaveta de quadrinhos debaixo da cama: Agente X e Deadpool ficam, toda a coleção de Blade, Spawn e Marvel Max vai pro lixo. Cabos e mais cabos de rede, de telefone, caixinhas-de-som, mais fones-de-ouvido e mais lembranças. Todas as cartas, fotos, diário, contos amassados, tudo o que eu era antes de eu sair de Atibaia está ali. Abro uma carta e mais uma pontada no estômago. Álbum de fotografias no lixo, acho a cópia de God’s Debris junto com a versão capa-dura (de 1978) de Histórias Extraordinárias de Edgar Allan Poe, minha relíquia. Tudo é guardado. “Desapego, desapego, desapego”. Uma rosa prensada entre livros, seca. Dobraduras e coraçõezinhos. Que coragem para guardar tudo isso por tanto tempo.

“Filho, não esquece de jogar fora roupas que você não vai mais usar também”. Roupas? Comigo? Isso sim vai ser... fácil? Quantas camisetas velhas, coisas que ganhei de amigos, comprei e rasguei. “Desapego, desapego, a palavra da semana é ‘desapego’”.

Isso tudo. Lixo, lembranças e muitos fones-de-ouvido e isqueiros depois. Tudo até às 20h10. Demorei uma hora para resumir minha vida material inteira. Um hora... Sabe o pior, é que entendo, acredito e concordo que de material, tudo vai pro saco mesmo. Nada disso importa quando se tem memória, mas aí, eu não sei nem quando meus pais fazem aniversário ou o ano do primeiro beijo ou ainda quando foi que eu percebi que estava vivo de fato. Sei lá, é estranho, não estou afim de pensar nisso, mas sinto um alívio: minha pouca memória me dá a liberdade de recomeçar sem o menor remorso ou arrependimento.


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postado por caio teixeira às 8:40 PM |

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