Comecei, ontem, um curso de Contos Literários. Para ser sincero não sei ao certo porque estou fazendo isso. Um colega de classe me perguntou isso mesmo: "por que você está aqui?" Me surpreendi com minha própria resposta natural: "estou escrevendo um livro e me bateu um bloqueio criativo infernal", isso está em parte correto. A parte correta é o bloqueio, a incorreta é o "me bateu", não "bateu" nada, eu sou um bloqueio ambulante.
A aula? Uma punhetação infernal sobre análises literárias e etimológicas. "Mas não estamos aqui para escrever?" Vai saber... De qualquer forma, ontem foi o primeiro "exercício literário". Escrever um conto "enrolado" sobre: um homem com um pescoço muito grande e um chapéu mole, que entrou em um ônibus muito apertado. Depois de um tempo ele conseguiu um assento livre. No mesmo dia vê-se o mesmo homem em uma praça conversando com outro, quando o segundo lhe aponta que o pescoçudo teria perdido um botão do casaco.
Eis a minha versão:
Revolvendo as brumas da sociedade contemporânea
Ou
Crítica pura do empirismo multipopulacional
Pouco se sabe, ou nada, sobre o destino, ponto ou parada que cabe a cada homem, ou não-homem, que trafega pelas linhas congestionadas da vivência empírica - alguns podem conclamá-la mística - que transitamos.
Tomemos como exemplo o senhor que adentra ao recinto móvel, transportador de (pré) conceitos, no qual me encontro. A estatura deste ser bípede é contradita por sua postura subserviente. Ostenta um chapéu gasto, acredito, por seus pensamentos pouco viris. É mole. O que em uma girafa é considerada como qualidade evolutiva, diriam darwinistas (logo execrados pelos criacionistas), ao sujeito foi atribuído como sendo um colóquio raso, uma piada divina que nem ele mesmo entende.
- Êta busão arretado de gente! - exclamou, tentando, com pouco, ou nenhum, sucesso conquistar seu singelo espaço. O uno é coletivizado enquanto entroncamentos metafísicos como "por que eu", "por que aqui" e "por que não saí mais cedo do boteco" se debatem, assim como os últimos suspiros de Deus sob o julgo carrancudo - e por que não "bigodudo" - de Nietzsche.
A massa segue em frente, acima, abaixo, adentro, afora, até que uma revelação "epifânica" se mostra aos olhos esclerosados do viajante. Um assento livre. As janelas da alma lhe denunciam o súbito desejo onírico de individualidade. Sentar é preciso, mesmo sob a imprecisão do desenrolar vivencial.
Como um sonho, a viagem passa, os músculos relaxam e as pernas retesam. Mas, o que seria o relaxamento físico contra a opressão filial proposta pela mente carregada? Nada? Tudo? Passa-se meu ponto.
Caminhando por uma comuna pública, pensando sobre o bípede oprimido, perfeito espécime dos anos maquinados, automatizados, brota-me à frente tal figura novamente - ou eu que me apareci à sua percepção?
- Rapá, do teu casaco lhe sobra um buraco - afirma-lhe um opositor.
A expressão facial do sujeito descrito até o momento denuncia-lhe a cobiça, a falta de algo que lhe pertencia, ou algo que pertencia a ele e o perdeu, dentre os devaneios semióticos, simbólicos, envoltos no cotidiano.
Penso: seria o botão de seu casaco o emblema perdido de sua humanidade, ou somos apenas portas casas para este objeto arguto? Sabe-se lá.
postado por caio teixeira às 3:36 PM |