terça-feira, 26 de junho de 2007


Sono

Sono


Rolou para um lado e para o outro. O travesseiro estava desconfortável, o cobertor lhe sufocava, o peso do próprio corpo incomodava. "Vai ser uma noite longa..."

Desistiu de dormir. Fazia uma semana que não sabia o que era fechar os olhos e só abri-los quando o sol já estava alto no céu. Ela sempre via a madrugada se arrastar, o horizonte clarear e o frio ir amenizando. Os olhos vermelhos ardiam, mas o sono não vinha. "Foda-se, vou tomar meu café".

Às 5 horas ela já tinha tomado banho e engolido uma torrada com manteiga. Ficava olhando para o relógio digital, os dois pontos que separavam a hora dos minutos piscavam junto com as batidas de seu coração. O cabelo molhado e preso atrás dava ao menos uma aparência de saúde.

Um pouco de maquiagem, ela não saia de casa sem passar um lápis preto nos olhos. Perfume, desodorante, creme hidratante para o corpo, para as mãos e para o rosto. Trabalhava em um escritório, todos trabalhavam em escritórios, a roupa era sóbria, cinza, normal. Saia de casa e encontrava no elevador com outras pessoas que trabalhavam em escritórios. Os olhares se esbarravam, mas nada mais do que um tropicão, há meses não sabia o que era dar um "bom dia" para alguém, se muito um "olá" para o porteiro do prédio.

No metrô ela vai espremida, talvez seja a única hora do dia que sinta certo calor humano, o resto do tempo é acompanhada pelo brilho da tela do computador. Conversa com todos pela internet, melhor assim, sem formalidades sociais, sem regras de conduta, sem contato.

Ao meio-dia ela sai para almoçar. Vai sempre no mesmo restaurante, não lembra direito quando começou a freqüentá-lo, mas gosta dele. Cada mesa é separada por um biombo de meia-altura, que só permite ver o topo da cabeça dos que se alimentam uns ao lado dos outros, mas que não querem trocar um só olhar. A comida é mastigada automaticamente, desde que parou de dormir nada tem muito gosto.

Volta para o escritório, toma um café junto com outros que voltaram do almoço para tomar um café. Vai para seu cubículo, sua baia e volta ao trabalho, ao brilho da tela do computador. Em frente ao seu computador, próximo do teto, fica um relógio que parou às 6h32 fazem 3 meses, ninguém arrumou, ninguém se preocupa com o tempo passando.

A turba que se levanta em uníssono de seus respectivos computadores a avisa que está na hora de voltar para casa. Desliga o computador, rega o cactos que fica ao lado dos clipes e posti-its, pega o casaco cinza e joga sobre o braço esquerdo, ela sempre carrega sua pasta com a mão direita.

Sai, junto com todos os outros que devem ir para casa. Toma o caminho para o metrô novamente, como sempre faz e sente, realmente sente, que há alguma coisa diferente. Um cheiro peculiar no ar, uma mudança de temperatura. Olha para os lados e vê que ninguém percebeu a mudança. "Devo estar ficando louca". Continua andando para o metrô, mas a sensação de estranheza se intensifica, a luz do final do tarde se diferencia, a brisa vira vento, as árvores balançam vigorosas. A caminhada continua.

Alguns passos antes de chegar ao metrô ela entende a mudança repentina. É a chuva. Está chovendo e ela sente os pingos. Sente a mudança de temperatura e o frescor da chuva. Ela pára enquanto todos os outros correm para se proteger. Cada gota na pele ressequida provoca uma nova sensação. Ela caminha até um banco público e se senta em meio ao aguaceiro que cai. Larga a pasta de um lado e o casaco do outro. Se sente molhada, se sente viva. Ela levanta o rosto e sente cada gota lhe atingir a face.

Os olhos se fecham e após uma semana ela dorme, mas acorda para si mesma.
[winamp: dashboard confessional - living in your letters]

postado por caio teixeira às 9:57 AM |

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segunda-feira, 25 de junho de 2007


Folha

Folha

Olha, a folha vem rodando e descendo. A vida que a prendia ao galho se foi a muito, junto com o verde de sua vitalidade. Uma folha, velha e opaca vem descendo e rodopiando na brisa leve.

Mas não foi sempre assim. Ela já fez parte da árvore da colina, uma árvore retorcida pelas eras infindáveis. Nela se encostaram macacos, búfalos, namorados e eu. Eu me recostei sob a sua sombra para descansar as pernas cansadas e os olhos vidrados. A folha vem rodopiando sob o sol do início da manhã.

Como ela, a folha, minha vida se esvai, junto com o vermelho de minha luta. A folha foi expulsa da árvore por não possuir mais serventia, eu me retirei da vida por atrapalhar o conjunto da ópera. A folha faz seu caminho, meus olhos vão se fechando.

De um buraco mínimo, logo abaixo do meu pomo de adão, o tempo vai se espremendo. Do caule seco da folha as estações fogem. Mais uma leve brisa, é final de fevereiro e o crepúsculo das nossas vidas, minha e da folha, se aproximam com o nascer do gigante vermelho.

Enquanto tento esticar meu braço para aparar a queda da folha penso se ela, a folha, sente a sua essência ficando para trás enquanto sua queda-livre continua. Eu sinto minha existência se encolhendo, fugindo da escuridão iminente que entra pelo orifício fumegante. Minhas pálpebras cansadas já não sustentam a visão da folha, que vem descendo e rodando, descendo e rodan...




[winamp: dead brothers - closer to you]

postado por caio teixeira às 11:52 PM |

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Rê.